O dia amanhaceu claro, com o céu muito limpo. Um azul desconcertante, brilhante, ofuscante. Depois de dias de chuva, o sol claro parecia fazer anunciações, prever fartura, premeditar felicidade.
Clarissa abriu os olhos como um bater de asas de borboleta, se espreguiçou como um gato e sorriu como só os humanos conseguem sorrir. Só depois de olhar tudo ao redor conseguiu lembrar que dia era. Calçou as pantufas rapidamente e correu para abrir os embrulhos coloridos que davam uma vida nova ao quarto. Desfez cada laço e rasgou cada pedaço de papel com um prazer infantil, inocente. A verdade é que abrir os presentes era a melhor parte de fazer aniversário. Depois de abrir cada embrulho, com o cansaço e a melancolia que seguem toda grande felicidade, sentou bem no meio do mar multicolorido que bagunçava o quarto todo. Foi então que percebeu que, a partir daquele dia, tinha oito anos. Com todos os significados que isso poderia ter. Tentou pensar nas coisas que não se podia fazer com sete anos e em como seria maravilhosa a sua vida agora que tinha crescido. Agora, que não era mais criança, precisa arrumar um amor. Afinal, é isso que é crescer, não é?
Porém o fato é que não sabia onde procurar. Não se acha um amor em todas as esquinas, não se pede enfiando o dedo no bolo de chocolate, não se suplica às estrelas. E foi nesse instante que foi acomedida por uma melancolia fina, uma tristeza sem razão, uma vontade de chorar inacreditável. Não sabia ao certo porquê, mas sabia que achar o tal amor era agora fundamental e que toda a sua felicidade futura dependia disso.
Foi então que tudo mudou, o amor desconsertou as coisas. Clarissa cresceu.
pensamentos
Cada pessoa é um mundo.
Vinha sentada no ônibus perto da janela, com a cabeça encostada no vidro gelado. Olhava fixamente para a calçada, uma visão embaçada pela rapidez com que passava e pelas gostas de chuva que se amontoavam no vidro. O pensamento estava distante, embalado pelo sono e pelo ócio típico de um domingo. Fixou o pensamento nessa frase e começou um esforço mental para se lembrar onde tinha a ouvido. Lembrava que a tinha ouvido num momento de distração, na hora nem tinha prestado atenção e nem sabia porque isso tinha chegado na cabeça agora. Mas os pensamentos são sempre assim: chegam sem terem sido convidados.
Talvez tivessem dito isso na televisão, ela nunca prestava atenção na televisão de manhã cedo, mas continuava mantendo o costume de tomar café na frente dela. Podia ter sido naquela aula de matemática, que estava com os olhos baixos escrevendo alguma coisa no caderno enquanto o professor explicava o que era matriz quadrada. Então se lembrou que a prova era na terça-feira e que não tinha estudado nada. Costumava estudar com o Ricardo, mas depois daquela briga... Não conseguia entender o porquê da briga, parecia tão ilógica! Mas não ia pedir desculpas, não sem antes entender os motivos dele. Não tinha muito a fazer, afinal, cada pessoa é um mundo.
felicidade
Disseram dia desses na televisão que a vida podia ser boa.
Era uma tarde quente de terça-feira. Uma daquelas tardes em que tudo parece normal demais, que a rotina segue o seu curso, que o tédio roça nos dedos. Clarices lavavam os pratos do almoço, Josés palitavam os dentes, Marias voltavam pro trabalho, Amaros pegavam as crianças eufóricas na escola. E num instante tudo isso parou. Marias, Josés, Clarices e Amaros olharam para aquela telinha colorida e se perguntaram quem tinha coragem de dizer aquilo? As notícias de guerras, de mortes, de assaltos, de alta nos preços... tudo foi interrompido para se dizer que a vida podia ser boa. Ninguém achava que isso podia ser verdade até então. A vida era dura, difícil, corrida, violenta. Mas quem ousaria duvidar da televisão?
E foi então que o mundo foi contagiado pelo som estridente das gargalhadas, que as flores se abriram, que as borboletas deixaram para trás suas cascas secas. De repente todo mundo passou a se perguntar como é que vida não era boa antes. A esperança, que em algum momento foi esquecida no fundo da caixa, voltou a flutuar livre pelo ar e a roçar pelos rostos de Marias, Josés, Clarices, Amaros...
*Esses textos foram escritos em junho desse ano e foram importados do blog antigo. Só não me perguntem o porquê.
2 comments:
Seus textos são bonitos...apesar de não concordar com algumas coisas...mas são bonitos sim...tb adoro escrever!
Bjs e carinhos, fica com Deus
que liindo tudo isso..a gente tem essa mania,né? de achar que amor é tudo na vida..e tem tantas formas de amar..
Eu pessoalmente,acho q o amor pelos meus amigos eh maior do q por qq cara ..mas na hora nao parece,né?
A vida engana..
=*
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